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O mármore fez-se carne: 

A morte da filha de Niobe

A morte da filha de Niobe,  

c. 440-450 a.n.e.,

mármore,

Palazzo Massimo, Roma

Niobe ou Níobe, filha de Tântalo e Pelops, era uma mulher orgulhosa de sua maternidade. Casada com Anfion, rei de Tebas, teve doze filhos, de acordo com Homero (o número varia conforme o autor), seis homens e seis mulheres. O orgulho da descendência era tão grande, que Niobe ousou se vangloriar, dizendo que havia dado à luz filhos mais belos e mais fortes que os de Latona, ou Leto, os gêmeos Ártemis e Apolo. A rainha tebana chegou a censurar os cultos a Latona, alegando ter mais direito a tributos, uma vez que seus rebentos eram mais numerosos e melhores.

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Como qualquer deusa ou deus do Olimpo que se prezem, Latona ofendeu-se e vingou-se. Convocou seus gêmeos, que prontamente mataram a flechadas os seis príncipes tebanos. As irmãs, ao chegarem ao local, foram também alvejadas e mortas. Por nove dias, os corpos ficaram insepultos, pois ninguém tinha coragem de encarregar-se deles. Niobe, após chorar incessantemente a perda, pediu a Zeus que a transformasse em pedra, para acabar com o sofrimento, no que foi atendida.

 

A escultura em mármore representa uma das filhas. O nome aparece diferentemente em livros e sites: Vênus de Niobe, A morte de Niobe, Filha de Niobe, A morte da filha de Niobe. O último pareceu mais correto, uma vez que a jovem, claramente, busca tirar algo das costas, possivelmente as flechas certeiras de Ártemis e Apolo.

A graça e a leveza do período clássico grego são exemplarmente revelados nesta escultura. Tensão e repouso nas pernas, que equilibram sofregamente o corpo. Ela apoia o peso na perna direita, flexionada à frente do corpo. O peso é fragilmente distribuído, pois o joelho esquerdo não está no solo, o que daria mais firmeza à figura; apenas a ponta do pé esquerdo ajuda a sustentá-la. A princesa pode desequilibrar-se; o pé, parece, resvalará a qualquer momento e a fará tombar. Além dessa posição tortuosa, a jovem sofre com a flecha mortal nas costas. Essa flecha perdeu-se no tempo, mas se pode imaginá-la, encostando na pele macia, e a posição dos braços indicam o esforço para retirá-la.

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A nudez feminina na arte somente seria conquistada em torno de 340 a.n.e, com a Vênus Colonnata, de Praxíteles. Nestes meados do século V, a filha de Niobe está parcialmente coberta. “As mulheres eram seres essencialmente vestidos, ou, antes, as portadoras primárias de ‘indumentária’ – um tecido especial e idealizado que se ondula em ritmos lineares intrincados, aqui abraçando sedutoramente a figura, ali se desfraldando no espaço aberto à roda dela” (BELL, 2008, p. 72). O tecido da túnica, com suas muitas pregas, desce pela perna direita, que está dobrada, e pudicamente cobre o sexo da princesa tebana. De maneira caprichosa, o tecido envolve parte das costas, cobrindo recatadamente as nádegas, e cai sobre a parte inferior da perna esquerda (o que, esteticamente, dá equilíbrio ao conjunto), formando, na base da escultura, uma massa de drapeados, possivelmente de seda, visto que se trata de um corpo real. A impressão é que o tecido escorrega e a deixará nua a qualquer momento.

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O momento é tenso; a morte, iminente. No entanto, a tensão é um sentimento cultivado mais pelo espectador, de seu conhecimento prévio do mito, do que pela escultura em si. Os corpos de irmãos e irmãs jazem em torno dela, mas a filha de Niobe está absolutamente serena, cabelos bem penteados. Ainda demoraria algum tempo para a expressividade facial chegar à escultura grega.

Veja-se agora o corpo. A jovem faz esforços para tirar a flecha, para manter-se em equilíbrio, chora seus mortos, mas os músculos não se contraem; pelo contrário, ela insinua languidez. Esta obra mostra o ideal grego de beleza feminina. E talvez, para os gregos, as curvas suaves e bem modeladas não combinassem com músculos rijos. As formas são sólidas, mas denotam maciez. Parece que, se a ousadia levar o espectador a tocá-la, a escultura o surpreenderá com o calor da carne, e não com o frio do mármore. Como diz Cheney frente à estatuária feminina grega da era clássica, “(...) esquecemos o mármore e ficamos presos à mulher” (1995, p. 272).

REFERÊNCIAS

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BELL, Julian. Uma nova história da arte. Trad. Roger Maioli. São Paulo: Martins Fontes, 2008. p.71-74.

 

COMMELIN, P. Mitologia grega e romana. Tradução de Thomaz Lopes. Rio de Janeiro: Edições de Ouro. s/d. p. 199-200.

 

CHENEY, Sheldon. História da arte: da pré-história à arte romana. Tradução de Sérgio Milliet. São Paulo: Rideel, 1995. p.259-273.

 

MEUNIER, Mario. A legenda dourada: nova mitologia clássica. Tradução de Alcântara Silveira. São Paulo: Ibrasa, 1961. p.44-45.

COMO CITAR ESSE TEXTO

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VARGAS, Rosane. O mármore fez-se carne: A morte da filha de Niobe. HACER - História da Arte e da Cultura: Estudos e reflexões, Porto Alegre, 2016. Disponível em: <http://www.hacer.com.br/#!amortedafilhadeniobe/hgbyq>. Acesso em: [dia mês. ano].

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