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Luz tras mi enramada, de Armando Reverón

Armando Reverón (1889 – 1954)

Luz tras mi enramada, 1926

Óleo sobre tela, 48x64 cm

Coleção Patricia Phelps de Cisneros, Caracas

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- Cuando yo hablo, yo soy Dios. Cuando tu hablas, tú eres Dios. Dios está en todas partes - siguió conversando con convicción.

- Dios está en el color, ¿no lo ves? - clavó sus ojos, pequeños, en las cosas que nos rodeaban: los muros de piedra, las jaulas de los monos, la luz - Qué cosa tan seria es la luz - dijo - ¿Cómo podemos conquistar la luz? Yo he intentado. Y esa es mi lucha. (REVERÓN, 1953, p. 6).

Um recorte fotográfico. Tão forte a luz que quase impede a visão. As cores são vaga lembrança retiniana, que a experiência de olhar para a paisagem registrou com pinceladas rápidas. Há uma paisagem, vista por uma porta, e conforme o título da obra, através da ramada com a qual é construído parte de El Castillete, moradia de Armando Reverón (1889 – 1954) desde 1921, quando resolveu ir para Macuto, até o fim de sua vida.

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A tela não tem preparação, e sua coloração natural é perfeitamente incorporada à composição, representando eventualmente a madeira da construção, ou de um galho de árvore. O uso das cores, quase desaparecidas no branco, respeita a imposição da dominância luminosa, que toma para si o absoluto protagonismo da cena à beira do oceano Pacífico.

Reverón e a esposa Juanita, no rancho conhecido como

“El Castillete”.

Foto: Victoriano de Los Rios, c. 1949. Col. FGAN.

Fonte: www.bienal.org.br

Reverón pintando o retrato de Luisa Phelps.

Foto: Alfredo Boulton, 1934

Fonte: www.bienal.org.br

Para empreender sua pintura, Armando Reverón precisava realizar um ritual específico, que envolvia alguns procedimentos especiais, denunciando uma tendência ao misticismo. Trabalhava sem camisa, para que a cor da roupa não interferisse em sua visão da pintura; colocava algodão ou algum tecido nos ouvidos para eliminar os ruídos exteriores; tinha fobia a metais e alguns materiais ásperos e enrolava seus pincéis com tela. Pintava descalço, por acreditar que o contato com a terra lhe transmitiria força, mas cingia fortemente a cintura, para que a zona inferior de seu corpo não “contaminasse” a parte superior. Em frente à tela assumia uma atitude hipnótica; se isolava para estabelecer através de uma forma de transe a desejada comunicação com a pintura. Acedia ao quadro com intensidade nervosa de movimentos rítmicos, quase frenéticos. Essa tensão, visível particularmente em seu período branco, trás aos olhos a informação sensitiva que a vertiginosa comunicação de Reverón impôs.

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Luz tras mi enramada, obra do período branco, é carregada das maiores qualidades artísticas modernistas, o uso da luz, a interpretação pictórica da percepção visual sobre a natureza e seus efeitos, lições absorvidas do impressionismo. A equívoca aparência de sutileza é rapidamente substituída pela percepção da intensidade luminosa que deu origem ao motivo da pintura. Mas não há uma pura preocupação com o efeito luminoso, impressionista. Reverón transmite ao trabalho algo de sua própria energia; há uma reciprocidade entre a responsabilidade que ele atribui à representação fundamentada na percepção sensorial, baseada nas referências formais adquiridas, e a responsabilidade que ele assume diante da pintura, em face de seu alejamiento.

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Reverón foi acometido de febre tifoide aos doze anos e sofreu com complicações após a doença, o que pode ter contribuído para as desordens mentais que o acompanharam até a morte. Isso não o impediu de ter sua formação artística na Academia de Bellas Artes de Caracas e tampouco de em 1911 receber uma bolsa de estudos para estudar em Barcelona, onde ingressou na Escuela de Artes y Oficios. Depois, em Madri, estudou na Real Academia de Bellas Artes de San Fernando. No ano de 1915, após alguns meses em Paris, voltou definitivamente à Venezuela, para se juntar ao Círculo de Bellas Artes, que se contrapunha à antiga escola, abandonando o estilo acadêmico. Reverón e Rafael Monasterios (1884 - 1961), que chegaram juntos da Espanha, foram os primeiros artistas venezuelanos a pintarem a paisagem de seu país no século XX. Quando iniciou seus estudos, na Academia, Reverón rejeitava o impressionismo. Porém, após retornar da Europa não poderia mais voltar ao academicismo, mas a referência que trouxe mais forte da Espanha não tenha sido a de um mestre moderno, pelo menos não no sentido temporalmente estrito do termo.

A diferença mais palpável entre meu novo mestre Goya e meu professor mais velho, Moreno Carbonero, é que a pintura deste acaba no quadro, terminando-se precisamente no lugar onde começa a moldura. De Goya, ao contrário, algo permanece flutuando em minha retina. (REVERÓN apud FUNDAÇÃO BIENAL DE SÃO PAULO, 2013).   

Luis Pérez-Oramas, curador da 30ª Bienal de São Paulo, não por acaso compara seu conterrâneo Armando Reverón com o brasileiro Arthur Bispo do Rosário. Ele ressalta o caráter que ambos adquirem, de “modernidade involuntária”, na medida em que não foram “voluntários da causa”. Igualmente, os dois se projetam além do modernismo, configurando poéticas que ultrapassam a autolimitação historicista descrita por Clement Greenberg, e se voltam para suas pesquisas privilegiando experiências estéticas particulares.

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Agora, olhos acostumados à claridade da representação insólita que Reverón faz de dentro de seu Castillete, se pode ver o que talvez a contraluz tenha obliterado. Ao olhar para a tela novamente percebe-se que não há exatamente o contraste que caracterizaria uma representação em contraluz. E não é um recurso retórico de atenuação do contraste em função de uma opção plástica, pois o artista concede valores tonais absolutamente idênticos, tanto para a área aberta da porta quanto para a área interna do cômodo. Isso indica que sua intenção se afasta de uma ideia impressionista, de viés naturalista. A representação da luz feita por Reverón é uma representação simbólica assumida e consequente com o exemplo de seu mestre de escolha. Da penumbra goyesca de figuras misteriosas, maravilhosas, terríveis, para a claridade entorpecedora dos sentidos da obra de Armando Reverón.

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Mas está faltando algo. Assim como na obra magistral de Goya surge como que por encanto, em meio às brumas de uma noite misteriosa, um gigante terrível; na obra de Reverón, se ele aprendeu com o mestre, também deve surgir. Eis que surge na porta del Castillete, voltado ao horizonte, um gigante, diáfano, como tudo aquilo que é muito escuro, ou muito claro.

REFERÊNCIAS                                            

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ADES, Dawn. O modernismo e a busca de raízes. In: ADES, Dawn. Arte na América Latina: A era moderna, 1820 - 1980. São Paulo: Cosac & Naify, 1997. p. 125-149. Contribuição de Guy Brett, Stanton Loomis Catlin e Rosemary O'Neill.

 

BARNITZ, Jacqueline. Modernismo and the break with academic art, 1890 - 1934. In: BARNITZ, Jacqueline. Twentieth-century art of Latin America. Austin: University Of Texas Press, 2002. p. 13-41. Segunda impressão.

 

ELDERFIELD, John (Ed.). Armando Reverón. New York: The Museum Of Modern Art, 2007. Colaboração de Luis Pérez Oramas e Nora Lawrence. Disponível em: <books.google.com.br>. Acesso em: 16 jun. 2013.

 

FABRIS, Annateresa (Org.). Modernidade e modernismo no Brasil. São Paulo: Zouk, 2010.

 

FUNDAÇÃO BIENAL DE SÃO PAULO (Ed.). Armando Reverón, Oramas e a Bienal. Blog Arquivo Bienal. Disponível em: <http://www.bienal.org.br/FBSP/pt/AHWS/blog/post.aspx?post=65>. Acesso em: 16 jun. 2013.

 

REVERÓN, Armando. Reverón no desmiente su locura y amenaza a la municipalidad con el Niño Jesús. Últimas Noticias, Caracas, p. 5-6. 29 jan. 1953. Disponível em: <www.ultimasnoticias.com.ve>. Acesso em: 16 jun. 2013. Entrevista concedida a Oscar Yanes

 

STEWART, Susan. The Open Studio: Essays on Art and Aesthetics. Chicago: University Of Chicago Press, 2005. Disponível em: <books.google.com.br>. Acesso em: 16 jun. 2013. 

COMO CITAR ESSE TEXTO

 

FERREIRA, Cláudio Jansen. Luz tras mi enramada, de Armando Reverón. HACER - História da Arte e da Cultura: Estudos e Reflexões, Porto Alegre, 2016. Disponível em: <http://www.hacer.com.br/#!luztrasmienramada/vm5mc>. Acesso em: [dia mês. ano].

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