Alegoria da Associação dos Empregados do Commercio de Porto Alegre,
de Ignácio Weingartner
Mestre e doutor em História pela UFRGS, tendo como seu principal tema de estudo o movimento operário no RS e Brasil durante a Primeira República. Bacharel em História da Arte pela UFRGS, desenvolvendo uma pesquisa sobre ilustração nos jornais operários do RS entre o final do século XIX e o inicio do século XX. Para saber mais sobre o autor, acesse o seu Curriculo Lattes.
Ignácio Weingartner (1845-1908)
Alegoria da Associação dos Empregados do Commercio de Porto Alegre, 1902
Litografia
A imagem aqui analisada é uma litografia produzida nas oficinas de Ignácio Weingartner, que pode ser considerada uma alegoria da Associação dos Empregados do Commercio de Porto Alegre (AEC), publicada na capa do jornal desta agremiação em 2 de fevereiro de 1902. A utilização de imagens ou ilustrações não era algo incomum em jornais e associações operárias ou de categorias profissionais (BARTZ, 2016), porém, este caso se destaca pela beleza e complexidade da imagem publicada, que, além de ser esteticamente muito bem elaborada, também é interessante pela mensagem que procura veicular acerca da própria Associação. A imagem foi produzida pela oficina de um dos mais importantes e mais antigos litógrafos da capital, cujos trabalhos estampavam diversos impressos comerciais naquele período, o que faz com que a imagem seja ainda mais significativa (HEIDRICH, 2017).
Em primeiro lugar, é importante ter em mente que os comerciários eram uma das categorias de trabalhadores que havia mais tempo se organizado: o Club Caixeiral Portoalegrense datava de 1882; depois disso surgiu a Associação de Guarda Livros em 1894 e a Associação dos Empregados do Commercio foi fundada em 1899. A AEC, já nos primeiros anos de vida, havia fundado a Escola Mauá, com o objetivo de formar contabilistas e lutava pela construção de uma sede social própria, motivo pelo qual lançaria um jornal chamado O Edifício Social para ajudar em sua campanha no ano de 1903 (MARÇAL, 2004). Disso se depreende que a sociedade representava uma categoria que tinha atrás de si um longo processo organizativo, mas também projetava um futuro em que poderia crescer e tornar a representação dos interesses dos comerciários mais efetivos.
Quanto à imagem, podemos inferir que se trata de uma referência às musas gregas ou deusas tutelares, fazendo uma relação com as atividades comerciais, ou seja, elas representariam diferentes áreas vinculadas ao comércio e mais especificamente à geração de riqueza. É importante ressaltar que as imagens da antiguidade clássica ainda mantinham um forte apelo para o público, como pode ser percebido em algumas pinturas de Pedro Weingartner (que era irmão de Ignácio) (GASTAL, 2007). Na alegoria analisada, se percebe, de cima para baixo, figuras femininas carregando objetos que podem ser relacionadas às artes (uma paleta de pintor), ao ensino e ao estudo (um livro), à agricultura (um feixe de trigo), à indústria (um martelo e uma roda de moinho), às transações financeiras (um saco de moedas) e ao trabalho doméstico e ao cuidado familiar (uma criança). No canto inferior esquerdo, de costas, surge uma figura que poderia representar a clientela ou as trabalhadoras e trabalhadores dos estabelecimentos comerciais.
Entre as musas, destaca-se a figura feminina que traz uma estrela sobre a cabeça e carrega, com a mão esquerda, uma tocha e, com a direita, aponta para o letreiro onde está escrito Associação dos Empregados do Commercio de Porto Alegre. Não se trata apenas de uma alegoria do comércio ou das riquezas de uma nação, mas de uma imagem que representa a agremiação. Isto é reforçado pelo papel de Mercúrio, Deus do Comércio, que carrega em suas mãos a frase “A União faz a Força”. O Deus Mercúrio também era conhecido como senhor dos caminhos e da comunicação entre o mundo celestial e o mundo humano. Indo um pouco mais longe na interpretação desta alegoria, poderíamos dizer que a companhia de Mercúrio complementa a alegoria da AEC, ilustrando o papel de representação e veículo de luta por direitos que as organizações de classe possuem em relação a seus associados.
Completa o quadro dessa alegoria, a figura de uma locomotiva, identificada como fator de progresso e desenvolvimento material e tecnológico, uma vista da cidade de Porto Alegre e da sede da AEC, que havia sido recém mudada para a Rua Floriano Peixoto, local que corresponde ao que hoje seria a quadra entre a Rua Voluntários da Pátria e a Avenida Otávio Rocha, na Praça XV de Novembro (não custa lembrar que uma das lutas da categoria, naquele momento, era a construção de uma sede própria). Também estão presentes as bandeiras da Associação dos Empregados do Comércio, em que aparece um caduceu, símbolo do deus Mercúrio e associado ao comércio, como foi dito anteriormente e uma rosa, que pode representar o florescimento da jovem agremiação social.
Talvez o mais simbólico e significativo de toda a construção dessa imagem seja o papel da alegoria da AEC sobre todas as outras musas. Essa posição poderia indicar que a união dos trabalhadores e das trabalhadoras sobrepuja, em importância, o vínculo dos empregados e empregadas com os diferentes ramos do comércio. Mais do que empregados, o que os identifica é a solidariedade entre os membros da categoria, papel que é encarnado pela associação quando promove o congraçamento de seus sócios. Não custa lembrar que mesmo que a AEC não fosse identificada como socialista ou anarquista, o discurso em torno da solidariedade profissional tornava-se cada vez mais presente naquele período entre os trabalhadores assalariados. Mais do que gerar riqueza, cabia aos comerciários serem solidários entre si e atuarem dentro da Associação que representava seus interesses. Dessa forma, a imagem é significativa não apenas para a História da Arte, mas também para a história da formação as associações de classe em Porto Alegre.
JORNAIS
A Federação. Porto Alegre, 1899.
Jornal da Associação dos Empregados do Commercio. Porto Alegre, 1902.
O Edifficio Social. Porto Alegre, 1903.
REFERÊNCIAS
BARTZ, Frederico Duarte. Imagens da classe: as ilustrações na imprensa operária do Rio Grande do Sul durante a Primeira República (1891-1930). Porto Alegre: Departamento de Artes Visuais da UFRGS, 2016. (Trabalho de Conclusão de Curso).
HEIDRICH, Paulo Ricardo. Impressos Comerciais do Rio Grande do Sul: marcas registradas na junta comercial de Porto Alegre – 1870 a 1923. Porto Alegre: Departamento de Artes Visuais da UFRGS, 2017. (Trabalho de Conclusão de Curso).
GASTAL, Susana. Arte no século XIX. In: Gomes, Paulo (org.) Artes plásticas no Rio Grande do Sul: uma panorâmica. Porto Alegre: Lahtu Sensu, 2007.
MARÇAL, João Batista. A imprensa operária no Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Edição do Autor, 2004.
COMO CITAR ESSE TEXTO
BARTZ, Frederico Duarte. Alegoria da Associação dos Empregados do Commercio de Porto Alegre, de Ignácio Weingartner. HACER - História da Arte e da Cultura: Estudos e reflexões, Porto Alegre, 2020. Disponível em: <https://www.hacer.com.br/comercio>. Acesso em: [dia mês. ano]