
Mata Reduzida a Carvão, de Félix-Émile Taunay
Na tela de Taunay, há ainda o sentimento do homem perante dois universos que se contrapõem – a natureza grandiosa e seu desfacelamento – e a mensagem histórica transmitida pelo quadro (Dias, 2010, p. 12).

Félix-Émile Taunay (1795–1881)
Mata reduzida a carvão, c. 1843
Óleo sobre tela, 134 X 195 cm
Museu Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro, Brasil.
A partir desta citação inicial de Elaine Dias me sinto inspirada a fazer a análise e leitura de imagem desta obra. Neste trecho a autora compila os dois caminhos pelos quais pretendo discorrer ao longo do texto quando olhamos para a obra Mata reduzida a carvão (1843) [Ver Nota 2], de Félix-Émile Taunay (1795–1881): a pintura de paisagem que, aqui, representa a natureza da mata Atlântica, e o acontecimento histórico das derrubadas e queimadas da mata, representando o “progresso”. Há dois pontos principais para esta escolha que me motivam, a saber: o gênero da pintura de paisagem como uma ferramenta pictórica que contribuiu para a construção de uma imagem nacional no século XIX e foi capaz de levar a outros países uma complexa dimensão da natureza das Américas, particularmente do Brasil. E, como segundo ponto, a intenção histórico-política desta obra de Taunay. Há uma relação direta entre a situação de crise climática atual [Ver Nota 3] que estamos, infelizmente, vivenciando e o fato deste tema já estar sendo discutido fervorosamente no século XIX. A partir, então, destes dois tópicos que me interessam, Mata reduzida a carvão se torna a imagem ideal para esta análise. Esta formação inicial do imaginário da paisagem brasileira através das representações de artistas viajantes é fundamental para geração de interesses múltiplos, que veremos ao longo da história, mas também para estudos da posteridade.
A Missão Artística Francesa de 1816
Depois de um longo período de inimizade entre Portugal e França - que resultou na fuga da família Real em 1808 para o Brasil e, consequentemente, no bloqueio dos franceses às terras luso-brasileiras -, finalmente em abril de 1815, pode-se comemorar o começo das novas relações oficiais franco-brasileiras. É a partir deste marco que as trocas culturais, econômicas, científicas e comerciais entre ambas as nações ganham força. Neste período a França ainda vive o complexo cenário pós-revolução, agravado pelo regime bonapartista, que faz com que muitos franceses, principalmente aqueles alinhados aos jacobinos, quisessem ou precisassem sair do país. Em 1816 acontece então a Missão Artística Francesa, que, ao trazer artistas, artífices, arquitetos, cientistas, etc. ao Brasil, vai unir o objetivo de qualificar a produção artística e científica brasileiras e fazer do país um refúgio para os franceses que viviam sob perseguição e insegurança política na França. “Se algumas missões buscavam as vantagens econômicas até então bastante controladas pelos ingleses, chegariam, também, outras, que desbravavam o território, imbuídas por um “sentimento de natureza””, explica Lilia Schwarcz (2008, p.56). Este é o contexto da chegada de Félix-Émile Taunay, e sua família, às terras brasileiras. A chegada desta missão ao Brasil, sob o comando de Joachim Lebreton (1760–1819), tem papel crucial na formação da ideia de nação brasileira, ainda neste período, aos moldes europeus.
Félix-Émile Taunay e a pintura de paisagem
Nicolas-Antoine Taunay, pai de Félix-Émile, fazia parte dos artistas da Missão Artística Francesa como professor de paisagem da futura Academia Imperial de Belas-Artes que será inaugurada em 1826. Neste período, com uma formação obtida ao lado do pai, Félix-Émile começa suas primeiras produções artísticas, trazendo algumas características próprias da sua pintura que já se diferenciam das pinturas de seu pai. Suas obras paisagísticas são marcadas por uma minúcia e uma atenção especial aos detalhes, algo que aprendeu fazendo pinturas em pequenos formatos no início dos seus estudos (Dias, 2010). Por este motivo - além de outros, que vão se desenvolver e destacar ao longo da sua carreira - o artista traz na sua obra uma espécie de narrativa dentro da paisagem que, muitas vezes, só é percebida ao olhar atento dos espectadores.
Além de pintor de paisagem, Félix-Émile Taunay tem papel fundamental na formação de artistas. Entre 1834 e 1851 assume a direção da Academia Imperial de Belas-Artes no Rio de Janeiro. Esse marco na sua história tem grande importância tanto na sua produção artística deste período, quanto no resultado das produções de artistas-alunos nos anos seguintes ao início do seu ensino. Félix-Émile se dedica em criar e pôr em prática uma série de medidas que vão contribuir diretamente no desenvolvimento do ensino artístico da Academia Imperial de Belas Artes. E, por conta deste fato, as produções de paisagem, especificamente, começam a mostrar uma nova abordagem da natureza que, parte é idealizada, parte é produto de estudos científicos. As pinturas de paisagem no Brasil tem uma característica diferente de outros lugares, “elas foram fortemente marcadas pelo universo da ilustração científica, característico da maior parte da pintura de viajantes europeus que transitavam pelo país”, segundo Cláudia Valladão (2010). Portanto, representar a paisagem do Brasil era uma maneira de “exaltar a singularidade da nação”, conforme a autora. Félix-Émile Taunay usa a paisagem “como veículo para constituição de um discurso sobre o Brasil” (Valladão, 2010). Além disso, a pintura é também, como veremos ao longo deste texto, sobretudo através de Mata reduzida a carvão, uma ferramenta política de registro e denúncia do que se passa neste período.
Em 1824, Félix-Émile Taunay expõe sua obra Panorama da cidade do Rio de Janeiro que, segundo Elaine Dias (2010, p. 209), “além do extremo detalhismo arquitetônico, é importante também ressaltarmos o cuidado com que Félix-Émile trabalha os elementos da paisagem e as figuras diminutas em seu panorama, evocando o trabalho de pintor de paisagem e miniaturista”. Essa obra emblemática é um marco na carreira de Félix-Émile como pintor de paisagem e demonstra seu profundo interesse no registro da paisagem do Rio de Janeiro, seja ela relacionada à natureza ou ao urbanismo, em que o pintor consegue representar com excelência de detalhes o que está acompanhando em sua época. A obra Mata reduzida a carvão vai “beber” destas características das primeiras pinturas de paisagem do artista, porém se trata de uma obra mais madura na qual, além do detalhismo na representação da natureza, é também uma obra crítica que transmite mensagens importantes sobre o que é entendido por progresso. Essa obra, então, não apenas representa pictoricamente este período, como representa o pensamento do próprio pintor a respeito de políticas do dito “progresso”.
Questões ambientais e contexto social da época
O século XVIII foi marcado por discussões ambientais a partir das explorações de recursos naturais, em alguns lugares, já em grande escala como nas colônias europeias e em terras invadidas (que a literatura também chama de “conquistadas”). Domenico Vandelli (1735–1816), naturalista italiano, tece críticas pertinentes aos mecanismos de extração de recursos da natureza quando aponta “as formas rudimentares adotadas na agricultura brasileira, especialmente a prática das queimadas, que [...] levaria ao rápido esgotamento dos abundantes recursos naturais”, segundo Claudia Valladão de Mattos (2010). Vandelli, no trecho a seguir, deixa explícito o argumento do seu protesto crítico:
Entre as plantas das conquistas existem muitas espécies desconhecidas dos botânicos, principalmente árvores de muita utilidade, ou para a construção de navios, casas e trastes, ou para a tinturaria. Porém, no Brasil muitas delas com o tempo se farão raras e dificultoso o seu transporte. Pelo costume introduzido de queimar grandes bosques nas bordas dos rios para cultivar a maior parte do milho ou mandioca, e acabando-se a fertilidade deste terreno em poucos anos passam a fazer novas queimas, deixando inculto o que antes foi cultivado. E assim se destroem árvores úteis e de fácil condução (Vandelli apud Mattos, 2010).
Neste mesmo período, em 1799, Alexander von Humboldt (1769–1859) chega às Américas através de uma autorização especial concedida por Carlos IV para alargar seus estudos e conhecimentos sobre a natureza. Essa expedição deu origem a uma série de teorias e pensamentos relativos ao que atualmente conhecemos como ecossistema. Ou seja, na cultura ocidental, até então, pouco (ou nada) se sabia sobre a interligação das expressões da natureza e a consequência climática que uma queimada ou a derrubada excessiva de árvores era capaz de produzir. Estes estudos possibilitaram a Humboldt associar a monocultura com a degradação ambiental, já presente nos países americanos. “Essa correlação entre desmatamento e mudanças climáticas locais ficou conhecida como 'teoria do dessecamento' " (Pádua, 2002) e foi capaz de impactar intelectuais de outros lugares que estavam preocupados com a condução destas explorações. Humboldt é bastante lúcido quando explica que:
Ao cortar as árvores que cobrem o topo e as encostas das montanhas, os homens de todos os climas produzem de uma só vez duas calamidades: a falta de combustível e a escassez de água. Quando as florestas são destruídas, como o são em toda parte da América pelos plantadores europeus, com uma imprevidente precipitação, as fontes de água secam e se tornam menos abundantes; os leitos dos rios, ficando secos uma parte do ano, se convertem em torrentes sempre que uma forte chuva cai nas suas cabeceiras. [...] Desta forma o desflorestamento, a falta de fontes e a existência de torrentes são três fenômenos estreitamente conectados (Bonifácio apud Pádua, 2002: 49).
O conhecimento sobre as consequências das políticas ambientais vigentes logo se espalha pelos países da América, incluindo o Brasil, e é, naturalmente, associado por alguns pensadores ao colonialismo e ao regime escravocrata a que o Brasil estava submetido. Esse pensamento se alastra e influencia o modo de ver o desenvolvimento do Brasil de Félix-Émile Taunay que, para além da direção da Academia Imperial de Belas Artes, também foi membro fundador do Instituto Histórico e Geográfico do Brasil (IHGB) e que teve papel fundamental no debate crítico sobre o desperdício de recursos naturais através das queimadas. Isso nos mostra que suas pinturas de paisagem e, em especial, Mata reduzida a carvão e Mãe D’água [ver nota 4], são também um resultado do pensamento crítico a respeito destas diretrizes de exploração tão criticadas já na época. “De acordo com Migliaccio (2000: 76), as duas obras demonstram a intenção do artista em fazer do embate entre natureza selvagem e civilização o verdadeiro tema de uma pintura de caráter nacional” (Mattos, 2010). Ou seja, o artista não deixa dúvidas sobre seu ponto de vista e sua postura diante destes debates, acima de tudo, através da sua produção e ensino artísticos.
A visão e a produção intelectual de Humboldt influenciam diretamente outro personagem importante desta história: José Bonifácio de Andrada e Silva (1763–1838), ex-aluno de Domenico Vandelli, que tem papel significativo e emblemático nesta discussão, pois, ao voltar para o Brasil em 1819, assume o propósito de defender a causa climática, tendo sua posição privilegiada e de poder no Império. Na Europa, onde viveu por 36 anos, José Bonifácio já havia iniciado seus estudos para melhor compreensão e formação de ideia sobre questões ambientais. A influência humboldtiana amplia ainda mais a sua compreensão sobre estas questões que o Brasil está enfrentando à época.
Assim como Humboldt, também José Bonifácio e Félix-Émile Taunay, diante do sistema de exploração ambiental e escravagista que acontece à sua frente, passam a considerar as estruturas sociais como causa para o estado das coisas no Brasil. O pintor traz esta discussão de maneira pictográfica, e, José Bonifácio, transforma esta crítica em palavras, como no trecho a seguir retirado do seu texto de 1823 intitulado Representação à Assembleia Constituinte e Legislativa do Império do Brasil sobre a Escravidão:
Se os senhores de terras não tivessem uma multidão demasiada de escravos, eles mesmos aproveitariam terras já abertas e livres de matos, que hoje jazem abandonadas como maninhas. Nossas matas preciosas em madeiras de construção civil e náutica não seriam destruídas pelo machado assassino do negro e pelas chamas devastadoras da ignorância. [...] e desse modo se conservarão, como herança sagrada para a nossa posteridade, as antigas matas virgens que pela sua vastidão e frondosidade caracterizam o nosso belo país (JOSÉ BONIFÁCIO apud MATTOS, 2010).
É dentro deste cenário prolífico de discussões ambientais, que Félix-Émile Taunay acentua a temática em suas produções de paisagens. No meu entendimento, não haveria como voltar atrás a partir destas “descobertas” e do cenário trágico que se passava diante de seus olhos. A maneira mais acertada de registrar essa modificação da natureza foi através da pintura onde, especialmente em Mata reduzida a carvão, este apelo fica evidente. Entre influências importantes no pensamento e na produção de Félix-Émile, está o Manual do Agricultor, escrito à época por seu irmão Carlos Taunay, onde ele explora a ideia desta interligação entre elementos da natureza e as consequências lastimáveis desta destruição em curso. Neste sentido, Valladão (2010) relaciona a influência destes escritos na produção da obra em questão sugerindo que “este livro nos parece uma fonte de extremo valor para analisarmos aspectos importantes dos dois quadros de Félix-Émile Taunay”. Entre as contribuições intelectuais deste período, Manuel de Araújo Porto Alegre (1806–1879) também envolvido no debate e, se manifestando de diferentes maneiras, militante e artisticamente, cria o poema chamado A Destruição das Florestas em 1845, que aborda esta situação preocupante.
Canto I
A Derrubada
Nos largos botaréus, que a base escoram.
E no solo se entranham tripartidos,
Como ingentes jiboias no profundo,
Talha o machado a corpulenta crosta.
Treme o chão, treme o ar, geme e se esfolha
A cúpula verdegai do amplo madeiro,
E convulso largando os verdes frutos,
Graniza o bosque com medonho estrondo,
Que as aves manda ao céu, e à toca as feras!
Este poema é a descrição do evento catastrófico que faz parte de um projeto de “civilização” e “progresso” do país e que está no mesmo contexto de motivação da pintura de Félix-Émile, embora escrito alguns anos após a feitura da obra do pintor francês.
Análise da obra Mata Reduzida a Carvão
Mata Reduzida a Carvão é uma obra comovente. Nossos olhos, quase instantaneamente, se encontram com o desastre. Uma cena lastimável, que aconteceu no passado e que acontece no presente ao mesmo tempo diante de nós. Somos testemunhos, todos, de uma ordem de poder trágica e que interrompe a vida sem o menor sinal de piedade. Testemunhos da terra. Em uma mesma tela, sob o mesmo ponto de vista, é possível que se enxergue cenários contraditórios, ou, como citado na epígrafe deste texto “universos que se contrapõem”. Félix-Émile Taunay, através desta comoção, nos entrega uma tela-denúncia para que este sentimento de revolta seja compartilhado e ganhe força em alguma instância. Esta comoção, segundo Elaine Dias (2010) “reside na contraposição destes dois mundos [...] nesse sentido, uma vez que o homem se comove ao presenciar a destruição da floresta brasileira, ele tende a agir contra essa destruição, preservando-a”. Muito possivelmente é esta a “arma” de Félix-Émile Taunay para agir em favor da preservação.
Em 1842, Mata Reduzida a carvão é apresentada na Exposição Geral e, junto com a obra, a descrição, escrita pelo artista, não deixa dúvidas sobre suas motivações para a pintura: A desaparição dos mais belos exemplares do reino vegetal nos arredores da Cidade ameaça a esta, segundo cálculos irrefragáveis, com diminuição das águas vivas e elevação do grau médio de calor, dois males reciprocamente ativos [ver nota 5]. A denúncia evidencia os pontos já trazidos aqui sobre o pensamento do pintor, compartilhado com intelectuais da época, e expõe o drama da destruição como causa da ignorância sobre dados científicos e da ambição de “progresso” presente no Império.

Tela Mata reduzida a carvão dividida ao meio
Ao nos depararmos com a imagem da obra, percebemos rapidamente que a tela se divide em duas partes (figura acima) com características completamente contraditórias. Do lado direito da tela está a natureza na sua forma mais preservada, quase que intocada, uma mata virgem. Há uma vida latente, uma sensação de grandeza e de abundância. A força e a magnitude da floresta estão evidentes, demonstradas pela variedade de espécies de árvores e outras plantas representadas minuciosamente pelo artista. Félix-Émile Taunay demonstra nesta obra uma habilidade indiscutível em representar a natureza. Suas formas, especificidades e cores estão muito bem executadas ao ponto que torna esta imagem (isolada do lado esquerdo) convidativa e instigante. Vemos no centro desta floresta uma fonte de água, com um curso que desemboca em um rio maior. A água é límpida, transparente e volumosa. Há uma harmonia singular nesta composição. Quando nosso olhar se volta para o lado esquerdo da tela, estas sensações de leveza que a natureza pode ser capaz de nos oferecer, desaparecem. Aqui, ao contrário do que contemplamos do lado direito, vemos um cenário de destruição, árido, sofrível. A floresta que outrora esbanjava vida, nesta cena à esquerda da tela, é um cenário mórbido. Ao fundo vemos os morros ao horizonte, situação que não é permitida na composição da direita, dado o volume de árvores que compõem esta floresta. Por este viés, temos a dimensão da larga escala de destruição. Vemos fumaças relativas às queimadas e apenas os tocos das árvores já extraídas para outro fim. .

Tela Mata reduzida a carvão (detalhe)
Mas, deste cenário impactante como um todo, as cenas representadas em “miniaturas” contam com mais clareza do que se trata esta obra (figura acima). Retomando o pensamento de Humboldt e, posteriormente, de José Bonifácio e Félix-Émile Taunay, a relação entre extrativismo está diretamente ligada à estrutura escravista de mão de obra do país. Há dezenas de homens negros executando o trabalho de destruição na tela de Taunay. Homens que, por obrigação, estão destruindo, enquanto que, em liberdade, poderiam estar preservando e produzindo. “A brutalidade dos movimentos dos machados e a indiferença dos negros com relação ao destino da floresta torna-se ainda mais evidente pela presença, no quadro, de um único homem branco, de braços estendidos [...] medindo-se com a imponente obra da natureza” (Dias, 2005 apud Mattos, 2010).


Tela Mata reduzida a carvão dividida ao meio (exercício)
Em relação às cores escolhidas para esta composição, o verde em suas diferentes tonalidades reforça a ideia da natureza nas suas mais diversas formas. Em contraposição, vemos o marrom. Uma cor que lembra as lamas dos rios poluídos, as folhas de árvores secas, o solo machucado pela extração e pela falta de sombra. Meu entendimento é que, mais do que uma composição realista da natureza, este duo de cores traz consigo uma conotação de “vida e morte”. Se fizermos o exercício de “cortar” esta imagem ao meio e separá-la, as tonalidades predominantes de cada um dos lados ficam ainda mais evidentes (figura acima).
A posição do pintor nesta tela é bastante característica do artista. É uma cena vista de um lugar alto, como quem mira o horizonte. E, nesta cena, há algo que se destaca: a frondosa e imponente figueira que aparece em primeiro plano e que, segundo Claudia Valladão, “ela é o 'personagem principal' do drama”. Neste sentido, meu pensamento se volta para uma figura heroica, que representa a resistência, a grandeza da natureza. Ela se impõe, se faz notar em meio a tanta destruição.
Considerações Finais
A pintura de paisagem tem importância indiscutível, tanto no registro da natureza em um período em que as pinturas tinham função utilitária para a ciência, quanto na construção da ideia de nação. A Missão Artística Francesa e, consequentemente, a vinda de Félix-Émile Taunay, responsável por uma nova abordagem da paisagem, foram fundamentais para este processo de construção, mas, para além disso, como vimos, o artista faz a escolha de se utilizar da técnica, do conhecimento e das artes para engajar política e historicamente um assunto pertinente desde esta época até, inclusive, os dias atuais. A pintura de paisagem é um patrimônio artístico de fundamental importância na historiografia do Brasil e revela, além das suas belezas, um pensamento e uma estrutura social que, de outras formas, talvez não fossem capazes de nos impactar como faz com competência Taunay em Mata reduzida a carvão.
REFERÊNCIAS
DIAS, Elaine C. Paisagem e Academia: Félix-Émile Taunay e o Brasil. In: VALLE, Arthur; DAZZI, Camila (Org.). Oitocentos: Arte Brasileira do Império à República: Tomo 2. Rio de Janeiro: EDUR-UFRRJ/DezenoveVinte, 2010. Disponível em: https://www.academia.edu/72344290/2010_Paisagem_e_Academia_F%C3%A9lix_%C3%89mile_Taunay_e_o_Brasil. Acesso em 15 nov. 2024.
_______. A pintura de paisagem de Félix-Émile Taunay. Rotunda, Campinas, n. 1, p. 5-18, abr. 2003.
Disponível em: https://www.academia.edu/72328693/2003_A_Pintura_de_Paisagem_de_F%C3%A9lix_%C3%89mile_Taunay . Acesso em 15 nov. 2024.
DIENER, Pablo. Reflexões sobre a pintura de paisagem no Brasil no século XIX. Perspective, n. 2, 2013. Disponível em: https://journals.openedition.org/perspective/5542?lang=pt . Acesso em 15 nov. 2024.
MATTOS, Claudia Valladão de. Paisagem, Monumento e Crítica Ambiental na Obra de Félix-Émile Taunay. 19&20, Rio de Janeiro, v. V, n. 2, abr. 2010. Disponível em: http://www.dezenovevinte.net/obras/obras_fet_cvm.htm. Acesso em 18 nov. 2024.
PÁDUA, José Augusto. Um sopro de destruição: pensamento político e crítica ambiental no Brasil escravista (1786-1888). Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2002.
SCHWARCZ, Lilia Moritz. Os franceses no Brasil de D.João. Revista USP, São Paulo, n.79, p. 54-69, set./nov. 2008. Disponível em:
https://www.revistas.usp.br/revusp/article/view/13694/15512 . Acesso em: 16 jan. 2025.
NOTAS
Nota 1: Graduanda do Bacharelado em História da Arte na UFRGS, com formação em Marketing pela Faculdade Senac e especialização em Comunicação Digital pela Unisinos. Atuou por 13 anos como Gerente de Projeto em agências de comunicação e produtoras de audiovisual. Atualmente atua como coordenadora de produção do MACRS, gerenciando e executando projetos de exposições de arte contemporânea, além de Seminários e outras atividades do museu. Além disso, está como bolsista do projeto de extensão Marcas D'água pelo PGAV da UFRGS.
Nota 2: Há uma variação do título desta obra, a depender do autor e a fonte pesquisada. Em alguns textos o título pode aparecer como Vista de um mato virgem que se está reduzindo a carvão ou Vista de um mato virgem que está sendo reduzido a carvão. Para este texto, opto por utilizar a versão Mata reduzida a carvão.
Nota 3: Na Mata Atlântica, 896 mil hectares foram queimados entre janeiro e setembro de 2024, sendo que 71% da área afetada estava em áreas agropecuárias. Um quarto (25%) desse total foi queimado em setembro: foram 283 mil hectares – um aumento de 382% em relação à média anterior. Fonte: https://brasil.mapbiomas.org/2024/10/11/area-queimada-no-brasil-entre-janeiro-e-setembro-foi-150-maior-que-no-ano-passado/#:~:text=11%20de%20outubro%20de%202024&text=Foram%2022%2C38%20milh%C3%B5es%20de,deste%20ano%20fica%20na%20Amaz%C3%B4nia. Acessado em 22/11/2024.
Nota 4: Obra de Félix-Émile Taunay, de 1850, que também faz parte do resultado de uma visão crítica em relação à natureza do Rio de Janeiro.
Nota 5: Notícia do Palácio da Academia Imperial de Bellas Artes, 1842.
COMO CITAR ESSE TEXTO
LAGASSE, Bianca. Mata Reduzida a Carvão, de Félix-Émile Taunay. HACER - História da Arte e da Cultura: Estudos e Reflexões, Porto Alegre, 2025. Disponível em: <https://www.hacer.com.br/mata>. Acesso em: [dia mês. ano].
