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Praça da Alfândega, de João Fahrion

Cláudia Strohmayer de Moura (2016)
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João Fahrion, Praça da Alfândega. Óleo sobre tela, 1922, 73 x 60 cm. 

Acervo da Pinacoteca Barão de Santo Ângelo

A Rua da Praia se constituía na voz de cronistas e moradores antigos de Porto Alegre enquanto um espaço de glamour, uma rua majestosa que abrigava personagens ilustres provindos de camadas sociais mais favorecidas economicamente que desfilavam por suas calçadas, por exemplo, praticando o footing.

O centro de Porto Alegre, mais especificadamente a Rua da Praia, era o espaço dos intelectuais e da alta sociedade, um lugar destinado às belas moças que passeavam com seus chapéus e flertavam com os honrosos moços da sociedade. [1]

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Feita em 1922[2], a pintura Praça da Alfândega, de João Fahrion, mostra um lugar da cidade de Porto Alegre muito conhecido por todos os seus habitantes, desde aquela época até os dias de hoje. Naquele momento, era o espaço mais exuberante da cidade, que servia de ponto de encontro para a alta sociedade. Esse é o lugar que ele captura em sua obra. Fahrion não imaginava, no entanto, que pintava naquele momento o prédio que, mais de trinta anos depois, seria o mais importante espaço das artes do Rio Grande do Sul e, menos ainda, que uma das galerias desse importante prédio estaria batizada com seu nome.

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João Fahrion (1898­–1970) nasceu e morreu na cidade de Porto Alegre. Apesar de ter uma educação artística, não passou pela educação formal do Curso de Belas Artes. Praça da Alfândega foi feita em 1922, quando Fahrion retornou ao Rio Grande do Sul após dois anos morando na Alemanha, onde foi estudar artes com uma bolsa concedida por Borges de Medeiros.

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Após sua passagem pela Europa, onde teve contato com o que havia de mais moderno sendo produzido na arte do período, é provável que Fahrion tenha tentado aplicar em suas produções daqui conceitos e padrões aprendidos por lá. A realidade local, no entanto, estava contra ele: enquanto em São Paulo, no mesmo ano, o Modernismo estava reclamando seu espaço e a Semana de 22 havia marcado o cenário local, a arte no Rio Grande do Sul era bastante incipiente.

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Fahrion acabou por dedicar-­se ao trabalho nas gráficas e nas litografias da cidade. Seu trabalho como artista ficou, então, limitado àquilo que era necessário ao trabalho gráfico: produção de ilustrações. É evidente que esse trabalho acabou por marcar muito o estilo de Fahrion no futuro. Comparada à sua produção posterior, a obra Praça da Alfândega chama a atenção por ser bastante diferente: em seus quadros produzidos na maturidade, há pouco lugar para a paisagem, e mesmo seus retratos dificilmente contam com uma paisagem no plano de fundo. Esses retratos, inclusive, são feitos justamente para a classe representada nessa pintura. Essas ocupações acabaram por repercutir negativamente na imagem de Fahrion como artista, inclusive enquanto dava aula no Instituto de Artes, quando era visto como “menor” por diversos de seus colegas professores.

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Sobre o quadro, apesar de não retratar propriamente a Rua da Praia (atual Rua dos Andradas), é muito provável que tenha sido do cruzamento desta com a rua General Câmara que Fahrion conseguiu o ângulo para sua pintura. A visão do alto conseguida por ele nessa obra talvez tenha sido alcançada no prédio da esquina dessas duas ruas, ou através de uma fotografia. Podemos supor, no entanto, que Fahrion já tivesse observado essa paisagem muitas vezes anteriormente, uma vez que morava na rua Duque de Caxias, de onde podia observar o porto e fazer desenhos dos barcos ancorados [3].

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As pinceladas são bem marcadas, feitas com uma tinta espessa, com influências do impressionismo, enquanto o ângulo nos sugere uma influência da fotografia. Ao fundo, na direita, vemos um pedaço da Delegacia Fiscal, atual Margs, construída em 1913; à sua direita, a cúpula da sede dos Correios e Telégrafos, atual Memorial do Rio Grande do Sul, do mesmo ano, ambos já então separados pela Avenida Sepúlveda. Havia ainda, no entorno, o prédio da Caixa Econômica Federal, a sede da Previdência do Sul e o Grande Hotel. Todos prédios majestosos, que davam ao Centro da cidade um ar de sofisticação que não era encontrado em outros bairros. O Centro era espaço dos ricos.

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Bem no primeiro plano, à direita, temos parte de um letreiro de uma loja da época: Lady [4]. Seria, talvez, uma ode à modernização tecnológica da sociedade? Para reforçar essa teoria, temos o poste de luz, pintado em vermelho um pouco mais à esquerda do quadro. O poste talvez seja elétrico (e, neste caso, novo, pois a iluminação elétrica em Porto Alegre era algo recente). No entanto, se quisesse retratar a tecnologia da época, seria de se esperar que aparecesse pelo menos um carro na rua (na época, aberta ao tráfego de veículos, ao contrário de hoje), mas Fahrion retrata na rua apenas um homem em direção à calçada. Talvez o Centro fosse, no período, mais acessado pelo bonde do que por carros. Esses bondes, no entanto, não faziam seu caminho na rua Uruguai. Pode ser que esse seja o motivo da ausência desse elemento tão simbólico nesse período.

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Praça da Alfândega na década de 1930. Fotógrafo desconhecido. Acervo: IPHAE.

A legenda "Pr. Barão do Rio Branco" refere-se aos pequenos jardins que existiam na frente dos prédios dos Correios e da Delegacia Fiscal. Na época, a rua Sete de Setembro não era fechada ao tráfego, e as duas praças que hoje compõem a Praça da Alfândega não haviam sido unificadas.

É provável que o nome do quadro seja posterior à sua criação: a “Praça da Alfândega” que conhecemos não existia no período em que a pintura foi feita. O que existiam eram duas praças: uma, a Barão do Rio Branco, um pequeno jardim em frente à Delegacia Fiscal e aos Correios. Separada pela rua Sete de Setembro (na pintura, encoberta pelas árvores), encontrava-se a praça Senador Florêncio, que aparece destacada na pintura com suas árvores maiores. Logo no primeiro plano, a rua Uruguai. Podemos imaginar mais do que ver a avenida Sepúlveda, separando os dois imponentes prédios ao fundo. Bem à esquerda, podemos observar um pedacinho da Rua da Praia antes de ser transformada em um calçadão – era, no período, lugar de passagem do bonde. E as pessoas: todas em suas roupas elegantes. Podemos facilmente perceber a que época pertencem: apesar da pincelada solta, os vestidinhos e os fraques são os inconfundíveis “uniformes” dos transeuntes ali presentes.

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Naquele período, a região da Rua da Praia – e, por consequência, da praça da Alfândega – era o ponto de encontro dos porto-alegrenses, lugar para ver e ser visto pelos habitantes da classe mais alta da cidade. Fahrion não era de uma família rica: é muito provável, portanto, que não fizesse parte desse grupo que costumava frequentar o local (pelo menos, não naquele momento). Qual seria sua intenção ao retratar esse local? Talvez apenas vontade de retratar um ponto tão importante da cidade para a qual voltara.  Talvez os prédios tão imponentes o fizessem lembrar do lugar que acabara de deixar a contragosto, por isso o lugar acabou por despertar seu interesse. Ou, quem sabe, uma visão de futuro o fez imaginar que, pintando o prédio da Delegacia Fiscal, estaria também pintando o futuro da arte do Rio Grande do Sul, um futuro mais promissor do que aquele que ele precisou enfrentar logo após sua volta da Europa… quem sabe?

REFERÊNCIAS

 

CUNEGATTO, Thais. Etnografia na Rua da Praia: um estudo antropológico sobre cotidiano, memória e formas de sociabilidade no centro urbano porto-alegrense. REUNIÃO BRASILEIRA DE ANTROPOLOGIA, 27, Belém (PR). Disponível em: <http://www.abant.org.br/conteudo/ANAIS/CD_Virtual_26_RBA/grupos_de_trabalho/trabalhos/GT%2031/thais%20cunegatto.pdf>. Acesso em: 10 dez. 2013.

 

RAMOS, Paula Viviane. Artistas ilustradores: a editora Globo e a constituição de uma visualidade moderna pela ilustração. Tese (Doutorado) – Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais, Instituto de Artes, Ufrgs, Porto Alegre, 2007.

NOTAS

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[*] Bacharela em História da Arte pelo Instituto de Artes (UFRGS). (voltar para o texto)

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[1] CUNEGATTO, Thais. (voltar para o texto na nota 1)

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[2] Na ficha técnica do quadro consta o ano de 1924. Para o trabalho, foi utilizada a informação que consta no próprio quadro, 1922. (voltar para o texto na nota 2) 

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[3] RAMOS, Paula Viviane. (voltar para o texto na nota 3)

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[4] Era bastante comum, no início do século XX, o "Pó-de-arroz Lady", cuja marca na embalagem era impressa com uma fonte parecida com a pintada por Fahrion. Seria essa fachada uma propaganda ou loja desse produto? (voltar para o texto na nota 4)

Notas

COMO CITAR ESSE TEXTO

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MOURA, Cláudia. Praça da Alfândega, de João Fahrion. HACER - História da Arte e da Cultura: Estudos e reflexões, Porto Alegre, 2016. Disponível em: <http://www.hacer.com.br/#!pracadaalfandega/poxsl>. Acesso em: [dia mês. ano].

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